sábado, 22 de outubro de 2016

EU LI O LIVRINHO DE BLACK BLOCS DE ESTHER SOLANO E WILLIAN NOVAES - Flavio Morgenstern

Após de causarem no Jô e no Pânico, Esther Solano e Willian Novaes chamaram atenção com seu livro sobre black blocs. É pior do que se pensa.
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Esther Solano, Bruno Paes Manso e Willian Novaes causaram um frisson nessas semanas apresentando seu livro sobre black blocs: Mascarados: A verdadeira história dos adeptos da tática black bloc. Sobretudo após se desentenderem com Jô Soares no Programa do Jô e com Carioca no Programa Pânico, mostrando que baixaria os acompanha onde quer que vão.
Como eu mesmo escrevi um livro sobre o movimento de massa brasileiro que teve seu auge físico em junho de 2013 (mas é anterior e continua acontecendo), também falando de black blocs (Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs, as manifestações que tomaram as ruas do Brasil), e como já havia lido o livro dos três autores, muitos me pediram para comentar os autores.
Odeio textos em primeira pessoa, mas preciso falar em primeira pessoa para falar do que odeio, e para tal empreitada. Desculpem-me. Sobretudo, desculpem-me o tema: algo assim só vale não pelo conteúdo em si, mas como contra-exemplo de como está a situação de mentalidade e de pesquisa, jornalismo e academia no Brasil. No mais, vale para dar umas risadas no processo de diagnóstico.
Quando o livro de Esther Solano e sua trupe foi lançado, o meu estava em revisão final com a editora Record. Já havia lido milhares (vários milhares) de páginas de livros opostos ao meu ponto de vista, citando-os às mancheias em meu próprio cartapácio.
Flavio Morgenstern com livros de esquerda, incluindo "Mascarados: a verdadeira história dos black blocs", de Esther Solano, Bruno Paes Manso e Willian Novaes. Arquivo Pessoal.Despiciendo dizer que minhas opiniões são também diametralmente opostas às do Trio Parada Dura. Mas não foi por isso que eu li, estudei e citei livros de pessoas radicais de quem discordo radicalmente, uma camarilha variando do stalinista Slavoj Žižek ao black blocker Francis Dupuis-Déri – mas não citei uma linha sequer de Esther Solano, Willian Novaes e Bruno Paes Manso.
Alguns livros dos quais discordo valeram para serem criticados, ou para explicar o que pensa a esquerda citando-os como fonte direta. O livrinho sobre black blocs dos três, ao contrário, é muito ruim. O pior de todos que li a respeito. Simplesmente porque não é um livro com pesquisa (isso de que tanto se jactam de terem feito): é o livro que menos sabe a respeito sobre o assunto de que falam.
A famosa Lei de Rothbard: acadêmicos se especializam naquilo em que são piores. Talvez Esther Solano, Bruno Paes Manso e Willian Novaes entendam muito de vinhos caros. Ou de Angry Birds. Ou talvez de mecânica de fluídos. Talvez tudo isso sem “pesquisa” nenhuma. Mas, mergulhando fundo na esterilidade desértica do academês, aquela linguagem que ao invés de produzir conhecimento, produz documentos (e livros e papers lidos apenas por quem quer criar novos livros e papers), o que inventaram de “pesquisar” na vida é o que menos entenderam.
Novamente, frise-se, não é por que eu discordo dos autores politicamente. O livro do MPL, por exemplo (20 Centavos: A luta contra o aumento, com o líder do movimento sem líderes Marcelo Pomar e o professor da USP Pablo Ortellado, um dos principais nomes das ocupações de escolas, do MPL e da nova esquerda de revolução 2.0 no Brasil), tem uma ideologia política ainda mais radical do que a do triozinho. Mas ao menos é um livro que sabe do que está falando.
É um livro que conta como o MPL é um coletivo “transpartidário” (embora se venda como “apartidário”), e até tem informações inéditas – foi a única fonte que encontrei que conta, por exemplo, que no dia 6 de junho de 2013, na primeira manifestação que geraria aquela quizomba, o MPL tinha uma reunião marcada na prefeitura de São Paulo, talvez com ninguém menos do que Fernando Haddad. Por isso, faz sua primeira arruaça na frente da prefeitura, num teatrinho que deixou Haddad assistindo tudo sem reação de seu próprio gabinete:
Apostando na estratégica clássica (sic) do Passe Livre, a manifestação passa rapidamente pelo prédio da prefeitura em direção ao Vale do Anhangabaú e dali à Avenida 23 de maio, uma das principais vias expressas da cidade. (p. 29)
Apenas quem leu tal livro (ou o meu, onde dedurei a artimanha) ficou sabendo da mentira que foram posteriormente os gritos do MPL de que “faltava diálogo” com a prefeitura, sendo que antes de tudo recusaram uma reunião para resolver o problema de junho de 2013 em 10 minutos de conversa civilizada.
Black bloc com extintor de incêndioSolano, Novaes e Paes Manso não trazem nenhuma informação nova. É difícil saber o que alguém poderia aprender sobre black blocs após suas 287 páginas e surpreendentes quatro referências bibliográficas, para mostrar como pesquisa é mesmo o forte desses três autores. Meu livro possui 29 páginas elencando referências. Talvez Esther Solano queira discutir “dados” e bater no peito dizendo: “Eu sou pesquisadora!” para se eximir de argumentar ao falar comigo, como tentou fazer com Carioca no Pânico. Fica o convite.
Foi o que eu já havia denunciado em um post na minha página no Facebook de agosto de 2015, quando justamente Solano e Ortellado eram as fontes que Mônica Bergamo (aquela que ninguém no jornalismo chama de esquerdista, muito menos de radical) usou para mapear negativamente as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. Diga-se, Esther Solano não cansou de repetir que foi à Paulista mapear “quem pedia golpe militar”. Todos os 0,01%, que xingavam e eram xingados pelo restante do povo.

A tal pesquisa da tal pesquisadora

O livro “Mascarados”, com seu subtítulo pretensioso “A verdade história dos adeptos da tática black bloc”, é dividido em quatro partes. Cada um dos autores mostra sua “pesquisa” e, por fim, há uma entrevista com o Coronel da PM Reynaldo Simões Rossi.
Esther Solano, ladies first, enrola (como nos dois programas) para afirmar se defende ou não black blocs. Afinal, “é pesquisadora”, portanto, é “imparcial”. Como ralha contra Carioca no Pânico, “eu tenho um lado como indivíduo, não como pesquisadora. Você realmente não entendeu isso? Essa limitação?”. Depois de muito enrolar, murmura que não concorda com a tática black bloc e, por alguma superstição edimacediana, tem fé que consegue disfarçar de alguém com QI acima do de Paulo Henrique Amorim qual a sua posição política (o que seria o mesmo que dizer o que defende, mas teria o agravante da honestidade).
Sua retórica é malemolente como gelatina em terremoto. Por exemplo, afirma no Pânico e no Jô que foi “desconstruir” e “desmistificar” a visão que as pessoas tinham sobre black blocs. No Pânico, tenta desqualificar Carioca, ao lado de Willian Novaes, afirmando que as pessoas acham que os blockers são riquinhos.
Santiago Andrade, cinegrafista da Band assassinato por um rojão atirado por dois usuários da tática black blocCuriosamente, no seu próprio livro, afirma que seu senso comum lhe “dizia que o Black Bloc estaria composto só por pessoas daquela periferia mais excluída, mais pobre, a periferia negra” e, na linguagem típica do academês esquerdista, que adora misturar o concreto com o abstrato para dar a impressão de ter percebido algo profundo, que é “acostumada a se relacionar, ou forçadas (sic) a conviver com as violências estruturais do país, e cuja resposta seria, de forma natural, outro tipo de violência” (p. 47).
É o problema de quem tenta ser “chocante”, contar “a verdadeira história” que ninguém conhece: não percebe que é justamente o último a ser informado. Alguém aí, que não é pesquisador, inclusive os leitores de manchete que tanto criticamos, por acaso não sabe que há diversas faixas sociais juntas num black bloc? Waaaaw. Quando Solano percebe que, justamente ao contrário de sua própria visão preconceituosa, todos já estão mais bem informados do que ela, se sai dizendo que foi “desconstruir” justamente o contrário (que nem todos os blockers eram ricos). Cara eu ganho, coroa você perde.
Não é a única contradição nos primeiros 15 minutos de programa com o seu próprio livro (que exige que alguém tenha lido antes de ousar falar com ela). Willian Novaes diz que raros blockers são de faculdades públicas, que black blocs não se formam em movimentos estudantis de faculdades públicas como a USP. Talvez ele devesse corrigir sua colega, que escreveu o capítulo “Quem são eles? Do Capão Redondo à USP”.
Com os típicos jogos de palavras como “Embate no lugar de debate” (já debateu com um black bloc?), toda a sua “pesquisa” é citar fontes como Brasil de Fato (sua própria entrevista) e Carta Capital para descobrir que:
1) O black bloc é feito para chamar atenção da mídia, que não prestaria atenção neles sem isso;
2) Que sua violência é um teatro-espetáculo, o que é decorrência de 1);
3) Que é um “revide”, porque violência dos “vândalos” não seria diferente da violência de, por exemplo, um banco cobrar juro por um empréstimo (sempre a confusão entre abstrato e concreto, já quea esquerda domina apenas o imaginário coletivo, temperada com uma dose cavalar de ignorância econômica, que a pesquisadora não pesquisou);
4) Que, decorrência de 3), “a sociedade” é que é violenta, ao chamá-los de vândalos.
Há esquerdistas que, analisando o fenômeno dos novos movimentos de massa, da esquerda 2.0, chegam a novas conclusões. É o caso, por exemplo, de Fábio Malini e Henrique Antoun, em @ internet e #rua, dois organizadores dos “protestos sem organizadores”, que escrevem o único livro da esquerda que deve ser lido pela direita se quiser ter informações sobre o mapeamento digital, a agitação pelas redes, o histórico e as mudanças desde as rodadas de Seattle e o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), com explicações das complexas filosofias de Antonio Negri e Pierre Levy para a internet e a revolução pela multidão nas ruas. O livro é tão mal escrito quanto uma poça de vômito de uma sopa de letrinhas, mas, novamente, são dois autores que sabem do que estão falando.
Esther Solano e Willian Novaes no Pânico, da Jovem PanNão é o caso de Esther Solano, que, grossa, antipática, arrogante, mal educada e dona de uma ironiazinha tosca com uma empáfia de quem quer viver de título para esconder um argumento medíocre, escreve páginas e páginas (daquelas começando com “Um ano depois da minha primeira manifestação como pesquisadora da tática Black Bloc, estou escrevendo estas páginas”) apenas para repetir, de diversas maneiras, a narrativa mofada e repetida do vitimismo da esquerda: de que, mesmo que o conhecimento político sobre anarquia dos maloqueiros que se vestem de preto para quebrar coisas aleatoriamente seja mais primitivo do que a noção de educação dos grandiosos “pesquisadores”, eles têm uma mensagem política a passar (não, diga, pesquisadora! não tinha reparado naquele “A” de anarquia gigante na cara deles!). Ah! E são os excluídos da sociedade.
Algo que alguém não soubesse que fosse sair da boca de qualquer blocker se perguntado por que está revoltadinho com o capitalismo e quebrando lojas, bancos de jornal, prédios públicos, agências bancárias e concessionárias pela cidade? São quase 150 páginas com esses clichês. Não servem nem para serem criticadas, como fiz com tantos outros livros em meu próprio.
O pior ainda é a aura de “pesquisa factual” que são simplesmente externalizações de seus sentimentos ao verem manifestações. Dá para ver Esther Solano com a revista Capricho na mão há uns 20 anos. Nada sobre as conseqüências políticas, um comparativo com outros movimentos de massa, uma análise do modelo, fosse política, econômica, moral etc. Nada. Apenas “Querido diário, hoje eu acordei e ainda estou pensando na manifestação de ontem, que hor-ror”.
Black bloc no Occupy Wall Street. Violência contra bancosCompare-se, por exemplo, com dois livros de radicais de extremíssima-esquerda lançados pela Boitempo, a editora mais comunista do país. Um é Occupy: Movimentos de protesto que tomaram as ruas, e outro Cidades Rebeldes: Passe livre e as manifestaçõesq que tomaram as ruas do Brasil. Nenhum dos dois precisa ser lido (tudo já dedurei no meu livro), mas note a coordenação entre um livro lançado em 2012 (dois mil e doze), com comunistas revolucionários do jaez de Slavoj Žižek, David Harvey, Tariq Ali, Mike Davis e Vladimir Safatle analisando como espalhar o movimento Occupy, inclusive com brasileiros no fracassado “Ocupa Sampa” palestrando sobre como criar uma versão brasileira do movimento (primeira dica: descartar os acampamentos, que destruíram o original). Logo depois, um livro curiosamente bem mais fraco, analisando os acertos e falhas de junho de 2013 (neste caso, estão bem mais perdidos).
Em suma: gente que lidera os “movimentos sem líderes”, que coordena aquilo que é “horizontal” (o que os americanos chamam de astroturfing), que analisa dos Anonymous aos black blocs, do Occupy Wall Street ao MPL, em uma variedade de aspectos. Gente que sabe do que está falando e tem informações que não teríamos sem os ler. Já Esther Solano tem como grande “pesquisa” conversar com blockers adolescentes falando que sofrem, e dizer que é a única a ter ouvido sua voz.

O pesquisador playboy

Uma pena que Bruno Paes Manso, o segundo autor do livro, não tenha ido no Pânico. Para quem escreve “a verdadeira história dos black blocs”, sua parte no livro é a mais legal. Afinal, Bruno Paes Manso não fala exatamente de black blocs. Fala de si próprio.
Lá, gastamos um tempo de vida brutal que poderia ser aproveitado praticando pesca de quermesse ou yawn pong  em umas 20 e poucas páginas para dizer que Bruno Paes Manso era um rico, que viveu isso e aquilo, que foi descobrir como pobre pensa ouvindo Racionais MC’s. E depois, páginas e páginas de como foi cobrir os protestos que envolveriam black blocs e de como ficou surpreso com tudo aquilo e que a violência da qual sempre esteve protegido por sua riqueza ficou escancarada.
E conclui com um parágrafo com a seguinte passagem:
As cidades precisam melhorar sua qualidade de vida. Não aguentamos mais shopping center. Devemos aprender a conviver com as diferenças, abandonar os carros, andar de bicicleta. Junho me ensinou que, mesmo depois dos quarenta, não é possível se acomodar quando nos dirigimos ladeira abaixo. Conviver com novas ideias e novas gerações inconformadas foi revigorante. Salve Mano Brown, MPL, Criolo e quem mais estiver disposto a compreender a alma atormentada de São Paulo, para transformá-la. São Paulo precisa de mais amor (…). (p. 187)
Viu o que é “pesquisar”? Qquer apostar quanto que ele odeia o termo universal “esquerda caviar”? Precisamos mesmo é transformar São Paulo numa cidade do Paleolítico inferior.
Ah, nada sobre “a verdade sobre black blocs” ficou claro ainda? Que tal essa pérola para quem escreve um livro “revelador” da Ver-Da-Dei-Ra história dos black blocs, depois de um confronto na Avenida Paulista?
De fato, eu não pertencia àquela geração que, como jornalista, eu precisaria compreender. Antes de partir, já depois da meia-noite, eu pedi um cigarro, depois de dois anos sem fumar. Acendi. “Respirei muito gás. Um cigarrinho não vai fazer mal.” No dia 13 de junho de 2013, voltei a fumar. Muita coisa havia mudado. Quero voltar a largar o cigarro em breve. (p. 169)
Descobriu agora a “verdadeira história dos black blocs”? Se não, pelo menos já conhece a verdadeira história de Bruno Paes Manso. O homem que só descobriu que pobre existe depois dos 30 anos.

Você traiu o movimento punk, véio!

Já Willian Novaes se ocupa das entrevistas do livro, na terceira parte. É, de novo, a “pesquisa de campo”, já que ler um livro antes de escrever um, como vimos, é coisa de somenos importância. Como ensina seu colega Bruno Paes Manso, se você tem um mistério diante de si que não consegue decifrar, ao invés de pesquisar, basta escrever um livro revelando “a verdadeira história” dizendo que não tá entendendo lhufas.
É Willian Novaes quem xinga Carioca, no Pânico, de “louco”, e depois que Carioca rebate, solta várias injúrias. Sua coleguinha Esther Solano passa o restante do programa afirmando coisas como “temos alguns tipos de debate empobrecidos, como aqui é o caso do Carioca”, “é uma pequenês” ou “não respeito seus insultos, respeito a sua opinião”. Não se sabe se respeita os insultos de Willian Novaes.
Logo no começo do Pânico, Carioca afirma, como comentamos, que vários blockers são “playboys, filhinhos de papai”. Esther Solano, cujo único cacoete é se afirmar pesquisadora, responde “vamos voltar aos dados, e não à especulação”, dizendo que “é difícil, viu” conversar com quem não “pesquisou dados” como ela própria.
Dado Dolabella x João GordoBem, os dados são dados (!) pelo próprio Willian Novaes, na terceira entrevista do livro, à página 209. Novaes fala de um rapaz à época com 33 anos, dono de seis negócios, aristocrata das famílias Ortiz e Bartira, com tatuagens incluindo um dístico de Santo Agostinho em latim no peito que mora na riquíssima Avenida Nove de Julho. É o black blocker conhecido por Barão.
O discurso pobrista e vitimista e “você não estudou” dos autores do livro só se sustenta mesmo com quem não leu seu próprio livro. Afinal, a fonte para mostrar como eles estão errados são… eles mesmos, que tanto falaram em “dados”.
Ah, o Barão, o blocker que Willian Novaes finge que não existe para tentar desqualificar o que Carioca já sabia que existia. O Barão não vai pro confronto, óbvio: prefere financiar os blockers pobres para serem bucha de canhão e os peões do seu anarquismo (paga por advogados etc). Prefere… bem… ehrr…
[Barão] Lembra das suas ações diretas individuais, de “desapropriação”. “Quando vou ao supermercado, sempre pego algo escondido. E no banco roubo uma revista. Também, quando a máquina engole o meu cartão, dou vários murros. Precisamos parar de ser omissos.” É, ainda falta muito para os objetivos concretos de Barão serem alcançados. (p. 217)
Entendeu a “verdadeira história dos black blocs” que Willian Novaes tem a revelar agora?
Tem lá também umas entrevistas com mulheres. Algumas páginas depois de Bruno Paes Manso jurar de pés juntos, sem prova nenhuma, que Fábio Hideki, famoso blocker uspiano, foi preso e levou uma sessão de socos (se Hideki diz…) por ser um líder black blocker, “sendo que o black bloc nem tem líderes”, está lá o pimpão Willian Novaes falando da blocker Mana: “ao redor da estação Carrão do Metrô, na zona Leste de São Paulo, vimos a garota de cabelos vermelhos liderando os Black Blocs” (p. 231).
Ué…
“Todos ouviam e obedeciam aos gritos estridentes da garota de cerca de cinquenta e três quilos”. O capítulo inteiro é uma descrição de como a blocker Mana manda nos manos, ordenando que atirem pedras na PM quando inventam de fugir, pegando microfone para “comandar um ato pela liberdade de dois jovens presos pela Polícia Civil” etc.
Depois de relatos e mais relatos mostrando o problema fundamental da maioria (pais ausentes), não entendemos como tais pesquisadores tarimbados, professores, jornalistas de grandes publicações como Istoé, conseguem a façanha de não entender a crítica de Carioca, ao afirmar que o problema são famílias desestruturadas, e não causas econômicas (do contrário, todo pobre seria black blocker, mas essa lógica é difícil demais para os marmanjos).
Bem, na verdade, entendemos sim. O que dizer de alguém que escreve tal passagem?
“Uhuuuu, uhuuuu, uhuuuu”, é o grito de guerra dos Black Blocs para se motivarem e alertarem a todos que dali para frente o bicho vai pegar. (p. 243)
Ainda bem que foram a campo fazer pesquisa para nos contar a verdadeira história!
Conclui a pesquisa aquela musiquinha do Caetano Veloso “Caminhando contra o vento”, com tanto conteúdo no predicado quanto conteúdo na cabeça de quem flerta com isso. E fim.

Black blocs de esquerda? Magina!

Este é o livrinho dos autores que se acham a última Tubaína da favela por terem escrito um livro. A julgar pelo esforço de cada um, se o escreveram em seis meses, daria para escrever um pouco mais de uma página de Word por dia e sobraria. Este artigo faria algo como uns 10 livros deles em seis meses. Sozinho.
Nada contra livros curtos, mas… qual o conteúdo dessa estrovenga? Descobrir que black bloc também é gente e que pobre existe? Azeitar tudo com papo vitimista, reduzir no discurso “imparcial” do academês e depois ir para a mídia xingar seus anfitriões por eles criticarem a violência?
Black bloc no Occupy Wall Street: "All my heroes kill cops" (Todos os meus heróis matam policiais).Claro, aí é a hora de sacar o manual de palavrinhas de obediência imediata do bolso e dizer que “vivemos um momento delicado, não conseguimos dialogar”. Repetindo: a turma que escreve livro incensando BLACK BLOCS quebrando tudo sem motivo reclama quando alguém diz que eles são playboys, reclama que precisamos dialogar porque há muito extremismo. Qual a melhor forma de diálogo para eles? Entrar ali na sala e tacar fogo em tudo? Alguém aí sabe o número da placa do carro de cada um?
A sorte dos autores, com a qual eles contam, é que ninguém vai ler um livrinho tão ridículo quanto o deles. Tanto que cobram fontes que os refutariam… que estão exatamente em suas páginas, enquanto Esther Solano se emperequeta dizendo “está medíocre, difícil responder a isso”, sem se tocar que se arvora como uma “pesquisadora” cujo grande livro é só um diário íntimo com adesivos da Hello Kitty no canto de cada página.
No programa do Jô Soares, Esther Solano solta frases medíocres e burras como narrar o pensamento blocker como “eu sou vândalo porque tô jogando pedra, e o banco é vândalo porque está cobrando taxa de juros”, e mais uma vez tenta surpreender com obviedades, afirmando que não havia um líder claro, “ao contrário do que se pensa”. Jô, que apesar de jurar ter visto uma suástica no meio de um black bloc que ninguém mais viu, respondeu o que todo mundo responderia: “É bem claro que não há chefe, desde a primeira manifestação”. Toda uma “pesquisa” que, quando acerta alguma verdade, é um óbvio ululante a todos os não-pesquisadores.
Jô terminou criticando um livro com subtítulo tão pretensioso, já que não teriam como contar “a verdadeira história” de uma maneira tão cabal. Os autores, mais uma vez, tentaram dizer que são várias histórias contadas. As primeiras palavras do livro são:
A realidade, se existe, é um poliedro. (…)
A realidade, se existe, não está composta por verdades absolutas, cânones, ou (sic) rigores ortodoxos e sim por pontos de vista, sentimentos, percepções.
Impor um padrão imutável de entender a vida é mais uma forma de violência.
A realidade, “se existe”. Para relativistas que negam a realidade, a única verdade é o que eles querem impor a nós em determinado momento, para tentar impor o contrário 10 páginas depois.
No Pânico, Esther Solano disse que Carioca não faz jornalismo, só ideologia, por ser contra “ocupação” de escola para dar aula de FEMINISMO (nada ideológico). Willian Novaes apresentou como contraponto que Carioca iria querer aulas de Jair Bolsonaro (quando Carioca só quer, ehrr, aulas). Diz então que Carioca é louco, idiota e otário (sem um esgar de reclamação de Esther Solano pela falta de capacidade de diálogo de seu colega co-autor).
Alguém poderia até imaginar, depois disso, que os autores pesquisaram mesmo, passaram incontáveis horas/bunda lendo e estudando o fenômeno, meditando nas suas conseqüências, avaliando seus métodos, traçando cenários possíveis, sopesando a distância entre suas idéias e sua consubstanciação.
Foi o que fiz em meu modesto Por Trás da Máscara: do passe livre aos black blocs, as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. Bem ao contrário dos pretensiosos pesquisadores com 4 livros de pesquisa, não saí xingando alguém para depois reclamar da falta de nível do debate (vide meu painel noV Seminário da Polícia Civil com o professor Germano Schwartz nesta semana, onde levo exatamente o risível livrinho dos autores para comentar).
Já os pretensos pesquisadores esbravejando “Como assim, velho?” quando Carioca apontou o óbvio (que quem paga por destruir uma agência bancária é o pobre, o que escapa formidavelmente a três pimpões tentando fazer análise político-econômica) só conseguem mesmo é serem os jornalistas metidos a manos. Vide a treta no Pânico:

Ah, ops. Desculpem, link errado. O certo é esse:

Mas até você confundiria também, não é?
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quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Príncipe Palhaço da Revolução (Parte 1) 3 - ROGER SCRUTON

Príncipe Palhaço da Revolução (Parte 1)

Eduardo Wolf
19 Outubro 2016 | 13h47
Estado da Arte publica com exclusividade no Brasil um ensaio do filósofo britânico Roger Scruton que avalia o fenômeno do stalinismo pop-psicanalítico de Slavoj Žižek. O texto foi publicado originalmente no City-Journal.
O Príncipe Palhaço da Revolução (Parte 1)
Sobre Slavoj Žižek, um novo tipo de pensador esquerdista
por Roger Scruton
Nas décadas de 1960 e 1970, o consenso, nas instituições acadêmicas e intelectuais ocidentais, caia muito para a esquerda. Escritores como Michel Foucault e Pierre Bourdieu ganharam destaque ao atacarem a civilização que eles rejeitavam como “bourgeois”. Os textos de teoria crítica escritos por Jürgen Habermas dominavam o currículo das ciências sociais, apesar de serem extremamente tediosos. A reescrita da história nacional como um conto de “luta de classes”, realizada por Eric Hobsbawm na Grã-Bretanha e Howard Zinn nos Estados Unidos, quase se tornou uma ortodoxia não só nos departamentos de História universitários, mas também nas escolas de ensino médio. Para nós, dissidentes, era um tempo desalentador, e raramente eu acordava pela manhã sem me perguntar se dar aula na Universidade de Londres era a carreira certa. Então o comunismo entrou em colapso no Leste Europeu, e me permiti ter esperança.
zizek
Um retórico pop em defesa do stalisnismo: Slavoj Zizek.
Durante um tempo, parecia estar por vir um pedido de desculpas daqueles que haviam dedicado seus esforços intelectuais e políticos a encobrir os crimes da União Soviética ou enaltecer as “repúblicas do povo” da China e do Vietnã. Mas esse momento durou pouco. Em uma década, o establishment da esquerda retomou o controle, com Zinn e Noam Chomsky renovando suas denúncias descontroladas contra os Estados Unidos, a esquerda europeia se reagrupando contra o “neoliberalismo” (o novo nome para o livre mercado) como se este é que fosse o problema desde o começo, Habermas e Ronald Dworkin colecionando prestigiosos prêmios por suas defesas quase ininteligíveis dos principais lugares-comuns da esquerda, e o veterano marxista Hobsbawm sendo recompensado por uma vida inteira de lealdade inabalável à União Soviética ao ser condecorado “Companheiro de Honra” pela rainha.
Realmente, o inimigo não era mais descrito como antes: o modelo marxista não cabia muito bem às novas condições, e parecia um pouquinho insensato defender a causa da classe operária quando seus últimos membros estavam se juntando às fileiras dos não empregáveis ou dos autônomos. Mas uma coisa permaneceu inalterada no despertar do colapso comunista: a convicção de que era inaceitável ir para a “direita”. Você pode ter dúvidas quanto a certas doutrinas ou políticas de esquerda; você pode cogitar que esse ou aquele pensador ou político esquerdista cometeu “erros”. Mas isso era o mais longe que a autocrítica conseguia chegar. Em contrapartida, simplesmente contemplar um pensamento de direita equivalia a entrar no território do diabo.
Assim, em poucos anos, a visão maniqueísta da política moderna, como uma luta até a morte entre a boa esquerda e a cruel direita, retomou seu domínio. Assegurando ao mundo que não haviam sido enganados pela propaganda comunista, os pensadores de esquerda renovaram seus ataques à civilização ocidental e sua economia “neoliberal” como sendo a principal ameaça à humanidade em um mundo globalizado. O termo “de direita” ainda é um xingamento hoje em dia, assim como era antes da queda do muro de Berlim, e as atitudes da esquerda se adaptaram às novas condições com pouca moderação de seu zelo oposicionista.
Houve, no entanto, uma mudança importante. Um novo tipo de pensador de esquerda surgiu – um que veste seu zelo revolucionário com uma camada de ironia, parcialmente rejeitando seu próprio idealismo impraticável como se falasse através da máscara de um palhaço. Se você resolveu estudar no departamento de humanas de alguma universidade americana, logo vai se deparar como o nome de Slavoj Žižek, o filósofo que cresceu no regime relativamente moderado da Iugoslávia comunista, classificado como “dissidente” durante o declínio do comunismo na sua Eslovênia natal, mas que agora está fazendo onda como crítico radical do Ocidente, ainda que sempre com certa ironia.
É prova da leniência do regime iugoslavo o fato de Žižek ter podido passar um tempo em Paris no início dos anos 1980. Lá, ele encontrou o psicanalista Jacques-Alain Miller, que estava promovendo um seminário do qual ele participou, e que também se tornou seu analista. Miller é genro de Jacques Lacan, o inescrupuloso maníaco pelo poder que Raymond Tallis descreveu como “o analista do inferno”, e este é um preço infeliz que se paga ao tentar entender Žižek: você tem que entender Lacan, também.
Os Écrits de Lacan, publicados em 1966, foram uma das fontes que embasaram os estudantes revolucionários em maio de 1968. Trinta e quatro volumes dos seus seminários se seguiram, publicados por seus discípulos e, posteriormente, traduzidos para o inglês – ou ao menos uma língua que se parecia com inglês tanto quanto o original se parecia com francês. A influência desses seminários é um dos mistérios profundos da vida intelectual moderna. Sua regurgitação truncada de teorias que Lacan não explorou nem entendeu é, por pura falta de vergonha intelectual, sem precedente na literatura. Tecnicidades inexplicadas, tiradas da teoria dos conjuntos, da física de partículas, da linguística, da topologia, e seja o que mais pudesse conferir poder ao feiticeiro que as invocou, são usadas para provar teoremas espetaculares como o de que um pênis ereto em condições burguesas é equivalente à raiz quadrada de menos um, ou que você não (até ser convencido por Lacan) “ex-siste”.
Outro conceito lacaniano – o do grande Outro – é crucial para entender Žižek. Após as famosas palestras sobre Hegel de Alexandre Kojève, realizadas no Institut des Hautes Études antes da II Guerra Mundial e assistida por todo mundo que era alguém no mundo literário parisiense (inclusive Lacan), a ideia do Outro se tornou uma fixação do pensamento filosófico francês. O grande e sutil argumento da Fenomenologia do Espírito de Hegel, de que atingimos a autoconsciência e a liberdade por meio do reconhecimento do Outro, tem sido reciclado repetitivamente por aqueles que assistiram às palestras de Kojève. Você o encontra em Jean-Paul Sartre, Emmanuel Levinas e Georges Bataille. E você o encontra, de maneira horrivelmente truncada, em Lacan.
Para Lacan, o grande Outro (A maiúsculo em Autre) é o desafio apresentado ao self pelo não self. Esse grande Outro assombra a percepção de mundo com o pensamento de um poder dominador e controlador – um poder que buscamos e do qual fugimos. Há também o pequeno outro (a minúsculo em autre), que não é muito diferente do self, mas é o que se vê no espelho durante o estágio de desenvolvimento que Lacan chama de “fase do espelho”, quando a criança supostamente vê seu reflexo e diz “Aha!”. Este é o ponto de reconhecimento, quando a criança encontra pela primeira vez o “objeto = a”, que, de alguma forma para mim impossível de decifrar, indica tanto o desejo como a ausência dele.
A fase do espelho dá à criança uma ideia ilusória (e breve) do self, como um outro todo-poderoso no mundo dos outros. Mas esse self logo é esmagado pelo grande Outro, um personagem baseado no contexto de seio bom/seio mau, amigo/inimigo criado pela psicanalista Melanie Klein. Ao expor as trágicas consequências desse encontro, Lacan traz surpreendentes insights, frequentemente repetidos sem explicação por seus discípulos como se tivessem mudado o curso da história intelectual. Um é particularmente repetido: “não há relação sexual” – uma observação interessante vindo de um sedutor em série, de quem nenhuma mulher, nem mesmo as analisandas, escapava.
Além disso, é atribuída a Lacan a ideia de que o sujeito não existe além da fase do espelho até que seja trazido à existência por um ato de “subjetivização”. Você se torna um sujeito autoconsciente ao tomar posse do seu mundo e incorporar sua alteridade em seu self. Dessa maneira, você começa a “ex-sistir” – existir para fora, em uma comunidade de outros.
As ruminações de Lacan sobre o Outro aparecem constantemente nos textos de Žižek, que provam um aspecto em que o sistema comunista tinha vantagem sobre seus rivais ocidentais: são produtos de uma mente seriamente educada. Žižek escreve com perspicácia sobre arte, literatura, cinema e música, e quando está tratando dos eventos de sua época – sejam as eleições presidenciais americanas ou o extremismo islâmico no Oriente Médio –, sempre tem algo interessante e desafiador a dizer. Ele aprendeu o marxismo não como uma busca exibicionista de uma classe ociosa acadêmica, mas como uma tentativa de descobrir a verdade sobre nosso mundo. Estudou Hegel com profundidade, e no que certamente são seus dois textos de mais fôlego – The Sublime Object of Ideology (1989) e a Parte I de The Ticklish Subject (1999) –, Žižek mostra como aplicar tal estudo aos tempos confusos em que vivemos. Ele responde tanto à poesia quando à metafísica de Hegel, e preserva o anseio hegeliano por uma perspectiva total, na qual o ser e o nada, a afirmação e a negação, são relacionados e reconciliados.
Se tivesse permanecido na Eslovênia, e se a Eslovênia tivesse permanecido comunista, Žižek não seria o estorvo que se tornou desde então. De fato, a introdução de Žižek no mundo acadêmico ocidental é quase suficiente para lamentar o colapso do comunismo no Leste Europeu. Ao adotar a visão psicanalítica de Lacan como base transcendental para sua nova filosofia socialista, Žižek eleva a empolgação a um nível que nenhum daqueles monótonos socialistas geralmente produzidos pela academia ocidental conseguiu atingir. E seu estilo astuto e abrangente dá indícios constantes de argumentação persuasiva. Às vezes, pode ser lido com facilidade por muitas páginas seguidas, com uma plena sensação de que está compartilhando questões que podem produzir um entendimento entre ele e seu leitor.  Ao mesmo tempo, passa rapidamente por afirmações absurdas que parecem, a princípio, lapsos de escrita, mas que o leitor descobre, com o passar do tempo, serem o verdadeiro conteúdo de sua mensagem.
Como exemplo do estilo de Žižek, eis aqui alguns dos assuntos tratados em três páginas consecutivas, escolhidos mais ou menos ao acaso, de seu envolvente livro de 2008, In Defense of Lost Causes: o Sudário de Turim; o Corão e a visão de mundo científica; o Tao da física; o humanismo secularista; a teoria lacaniana da função paterna; a verdade na política; o capitalismo e a ciência; a arte e a religião segundo Hegel; a pós-modernidade e o fim das grandes narrativas; a psicanálise e a modernidade; o solipsismo e o ciberespaço; a masturbação; Hegel e o espírito objetivo; o pragmatismo de Richard Rorty; e há ou não há um grande Outro?
O tiroteio de assuntos e conceitos torna fácil, para Žižek, introduzir suas pequenas doses de veneno, que o leitor, acompanhando o ritmo da prosa, pode acabar engolindo facilmente sem perceber. Assim, não devemos “rejeitar o terror in toto, mas reinventá-lo”; devemos reconhecer que o problema de Hitler, e de Stálin também, é “não serem violentos o suficiente”; devemos aceitar a “perspectiva cósmica” de Mao e considerar a Revolução Cultural um evento positivo. Em vez de criticar o stalinismo como imoral, devemos louvá-lo por sua humanidade, já que resgatou o experimento soviético da “biopolítica”; além disso, o stalinismo não era imoral, mas muitomoral, pois baseava-se na figura do grande Outro, que, como os lacanianos sabem, é o erro primordial do moralista. Também devemos reconhecer que a “ditadura do proletariado” é “a única escolha verdadeira hoje”.
A defesa que Žižek faz do terror e da violência, seu apelo por um novo Partido baseado nos princípios leninistas, sua celebração da Revolução Cultural de Mao, apesar das incontáveis mortes que foram, ainda, louvadas como parte do significado da política de ação – tudo isso pode ter servido para difamar Žižek entre os leitores esquerdistas mais moderados, não fosse pelo fato de que nunca é possível saber se ele está falando sério. Talvez ele esteja rindo – não só de si mesmo e de seus leitores, mas do establishmentacadêmico que o inclui, a sério, ao lado de Kant e Hegel no currículo de filosofia, com um Journal of Žižek Studies agora já em seu quarto ano de publicação. Talvez ele esteja nos incentivando a dar férias para o cérebro, zombando dos idiotas que acreditam haver algo mais a se fazer com ele além de escapar dos pensamentos:
Aqui, no entanto, é preciso evitar a armadilha fatal de pensar no sujeito como o ato, o gesto, que depois intervém para preencher a lacuna ontológica, e insistir no ciclo vicioso irredutível da subjetividade: “a ferida só é curada pela lança que a causou”, isto é, o sujeito “é” a própria lacuna preenchida pelo gesto da subjetivização (o que, para Laclau, estabelece uma nova hegemonia; para Rancière, dá voz ao “parte sem parte”; para Badiou, assume fidelidade ao evento-verdade; etc.). Em suma, a resposta lacaniana para a questão posta (e respondida de maneira negativa) por filósofos tão diferentes como Althusser, Derrida e Badiou – “Pode a lacuna, a abertura, o Vazio que precede o gesto de subjetivização ainda ser chamado de ‘sujeito’?” – é um enfático “Sim!” – o sujeito é, ao mesmo tempo, a lacuna ontológica (a “noite do mundo”, a loucura do autoisolamento radical) bem como o gesto de subjetivização que, por meio de um curto circuito entre o Universal e o Particular, cura a ferida de sua lacuna (em lacanês: o gesto do Mestre que estabelece uma “nova harmonia”).“Subjetividade” é um nome para essa circularidade irredutível, para um poder que não combate uma força resistente externa (diga-se, a inércia de dada ordem substancial), mas um obstáculo que é absolutamente inerente, que, em última instância, “é” o próprio sujeito. Em outras palavras, o próprio esforço do sujeito para preencher a lacuna retroativamente sustenta e gera essa lacuna.
Perceba a súbita intromissão, na logorreia, de uma longa frase em itálico, em nada mais clara que as outras, como se Žižek houvesse parado para tirar uma conclusão antes de passar, de maneira exultante, para o próximo conceito malformado.
A passagem é parte de uma contribuição para a teoria lacaniana da “subjetivização”. Mas seu significado principal é deixar claro para o leitor que, seja o que for dito sobre outros autores de absurdos em voga, Žižek também o disse, e que todas as verdades, todas as contribuições, todos os fragmentos úteis de bobagens esquerdistas, são afluentes que correm na incontrolável onda de sua abrangente negatividade. A prosa é um convite: mergulhe, leitor, para lavar sua mancha de argumentação fundamentada, e aproveite, enfim, as refrescantes águas da mente, que correm de assunto em assunto, de lugar em lugar, desimpedidas das realidades, sempre fluindo para a esquerda.
Žižek publica cerca de dois ou três livros por ano. Ele escreve com uma distância irônica de si mesmo, consciente de que não é possível obter aceitação de outra forma. Mas também se preocupa em criticar a plausibilidade superficial da sociedade de consumo que substituiu a antiga ordem da Iugoslávia comunista e descobrir a causa espiritual profunda de seus males. Quando não escreve alusivamente, pulando como um gafanhoto de assunto em assunto, ele tenta desmascarar o que considera serem os autoenganos da ordem capitalista global.  Como seu outro mestre, o filósofo francês de extrema-esquerda Alain Badiou, Žižek não consegue oferecer uma alternativa precisa. Sem esta, porém, uma alternativa imprecisa – até mesmo puramente imaginária – servirá, sejam quais forem as suas consequências. Nas palavras dele, com a linguagem de Badiou: “É melhor um desastre de fidelidade ao Evento do que uma não existência de indiferença ao Evento.” (O Evento é a sempre esperada, e sempre adiada, Revolução.)[Continua]
Tradução: Ana Beatriz Fiori

Lula quer desmoralizar o Brasil - EDITORIAL ESTADÃO


ESTADÃO - 20/10

O herói faz agora o papel de vítima e é assim que doravante se apresentará na grande encenação para o público, daqui e do exterior, na qual o pérfido antagonista é a Justiça brasileira. Réu até agora em três processos que resultaram de investigações sobre corrupção – e na falta de sólidos argumentos de defesa –, Lula da Silva está armando um espetáculo circense para mostrar aos desavisados que o Mal cooptou a Justiça, que se empenha na missão abjeta de condenar um inocente, o homem “mais honesto do Brasil”, punindo-o pelo crime de governar para os pobres.

A politização dos processos judiciais em que Lula está envolvido como réu ou apenas investigado faz parte da estratégia concebida pelo lulopetismo, com a assessoria de uma chusma de advogados, para desviar a atenção da opinião pública das fortes evidências de envolvimento do ex-presidente da República e sua família numa série de episódios suspeitos nos quais se teriam beneficiado de tráfico de influência, de recebimento de vantagens materiais e financeiras indevidas ou pura e simplesmente de propina. Essa estratégia envolve também a tentativa de envolvimento dos brasileiros que ainda apoiam o ex-presidente num clima emocional alimentado por fantasiosas notícias sobre a iminente prisão de Lula. Na última segunda-feira, por exemplo, algumas dezenas de pessoas, munidas de farto material de propaganda impresso, postaram-se diante do apartamento de Lula em São Bernardo para uma “vigília cívica” contra a “ameaça iminente” da prisão do ex-presidente.

No dia seguinte, a Folha de S.Paulo publicou artigo assinado por Lula com o sugestivo título Por que querem me condenar. Começa por afirmar que, desde que ingressou na vida pública sua vida pessoal foi “permanentemente vasculhada”, mas “jamais encontraram um ato desonesto de minha parte”. Acrescenta: “Não posso me calar, porém, diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição política”. E explica: “Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto político que represento junto com milhões de brasileiros”. E conclui, dramaticamente: “O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas violações ao Estado de Direito”.

Os advogados de Lula, que tentaram em vão, várias vezes, contestar a autoridade e isenção dos magistrados responsáveis por processo em que o ex-presidente está envolvido, voltaram à carga interpelando o desembargador Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, relator dos recursos da Lava Jato, a quem acusam de ter “amizade íntima” com o juiz Sergio Moro. Segundo o ex-ministro Gilberto Carvalho, fiel escudeiro de Lula, essa nova iniciativa obedece “à ordem de não ficar calado”, num processo permanente de “questionamento” de tudo o que já foi ou vier a ser levantado contra Lula.

A até recentemente bem-sucedida trajetória política de Lula foi alavancada pelo marketing. E é com o marketing que ele pretende sair da grossa enrascada em que se meteu. Sem ter elementos concretos e convincentes de defesa, apresenta-se como vítima dos “inimigos do povo”.

Os acontecimentos desta semana revelam, portanto, que se pode esperar daqui para a frente a intensificação e maior contundência da contraofensiva lulista nas áreas judicial e popular. Pode até haver quem entenda que a prisão de Lula poderia favorecer a “causa”, na medida em que criaria uma “enorme comoção nacional” manipulável em benefício dos “interesses populares”. Quem conhece bem o ex-presidente sabe que esse tipo de sacrifício jamais lhe passaria pela cabeça. É claro, portanto, que a estratégia lulista contempla também a necessidade de manter formadores de opinião e detentores do poder considerados confiáveis no exterior providos de argumentos políticos que sejam úteis para a eventualidade de que se torne premente a necessidade de preservar a liberdade de Lula. Ou seja, condenado aqui, procuraria refúgio em regime amigo, apresentando-se, assim, como exilado político.

O homem está disposto a pagar qualquer preço por todas essas precauções. Inclusive o de tentar desmoralizar a Justiça e de apresentar o Brasil, aos olhos da opinião pública mundial, como uma reles ditadura. Mas esse ato de desespero lhe será cobrado pela consciência cívica do País.

Uma prisão exemplar - MERVAL PEREIRA


O Globo - 20/10

Para se ter uma ideia de como a prisão de Eduardo Cunha afetou o mundo político, bastam dois fatos. O presidente Michel Temer antecipou seu regresso do Japão, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, respondeu assim a uma pergunta: “Nem é bom comentar”.

Temer é um dos cinco amigos de uma fábula que Cunha gostava de contar, como maneira de constrangê-los. “Era uma vez cinco amigos que faziam tudo junto, viajavam, faziam negócios. Então, um virou presidente, três viraram ministros, e o último foi abandonado… E isso não vai ficar assim”.

Dos três outros, há certeza de dois ministros: Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, e Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil. O terceiro tanto pode ser Romero Jucá, que já foi ministro do Planejamento, como Moreira Franco, secretário do Programa de Privatizações.

Moreira nunca foi muito ligado a Cunha, e ultimamente vinha sendo seu alvo preferido, pois atribui a ele a indicação do deputado Rodrigo Maia, genro de Moreira, para a presidência da Câmara em sua substituição.

Vê-se pelos dois exemplos como a prisão de Eduardo Cunha mexeu com a cúpula do PMDB, até mesmo com Renan, que nunca se deu bem com Cunha e tentava contrastá-lo no comportamento diante das acusações. Cunha decidiu confrontar o Judiciário, e fez críticas até mesmo ao STF, quando tinha foro privilegiado, e apenas o plenário do STF podia julgá-lo, enquanto Renan optou por uma postura mais dócil, na ilusão de que contaria com a benevolência dos ministros. Por enquanto a tática está dando certo.

Mas não apenas no PMDB a prisão de Cunha repercutiu. Prisão tão emblemática é um sinal para a classe política de que acabou a brincadeira, assim como a condenação do ex-senador Gim Argello a 19 anos de cadeia deixou a classe em polvorosa.

A prisão preventiva decretada pelo juiz Sérgio Moro também serve para desacreditar de vez a tese de que o PT e Lula, seu principal líder, estavam sendo perseguidos seletivamente por Moro e os procuradores de Curitiba. Parecia óbvio, quando foi anunciada, que a prisão por tempo indeterminado se baseava na atuação de Cunha de obstrução da Justiça, e foi isso que Moro alegou. Os procuradores da Lava-Jato sustentam que a liberdade do ex-parlamentar representava risco à instrução do processo, à ordem pública, e abria brecha para uma eventual fuga do acusado, em virtude da disponibilidade de recursos ocultos do peemedebista no exterior, com que concordou Moro.

Segundo o despacho do juiz de Curitiba, foi o “modus operandi” de Eduardo Cunha que motivou sua prisão. “Considerando o histórico de conduta e o modus operandi, remanescem riscos de que, em liberdade, possa o acusado Eduardo Cosentino da Cunha, diretamente ou por terceiros, praticar novos atos de obstrução da Justiça, colocando em risco a investigação, a instrução e a própria definição, através do devido processo, de suas eventuais responsabilidades criminais. (...) Presente, portanto, risco à investigação, à instrução e de forma mais geral à integridade do processo, o que é causa para a prisão preventiva”.

Moro classificou Cunha de “criminoso serial”, e embora esteja sendo processado neste caso pela propina que é acusado de ter recebido pela compra de um campo de petróleo pela Petrobras em Benin, na África, o ex-presidente da Câmara tem diversas outras acusações contra ele sendo investigadas e provavelmente será condenado a pena grave.

Por isso, a possibilidade de uma delação premiada por parte dele é vista como alta. Vai ser preciso, porém, negociar com muita paciência, pois o Ministério Público acha que a prisão de Cunha é exemplar, e quer deixá-lo atrás das grades por muito tempo.

Além do mais, será preciso investigar bem para saber o que é verdade e o que é simples vingança de Cunha contra os que considera que o traíram.

Prisão de Cunha é um tapa na imagem do Supremo - ROBERTO DIAS


FOLHA DE SP - 20/10


SÃO PAULO - A prisão de Eduardo Cunha não deixa de representar um tapa na imagem do Supremo.

Há uma semana, o juiz Sergio Moro, de primeira instância, recebeu um processo que tramitava no mais alto tribunal do país porque Cunha tinha foro especial como deputado. Em seis dias, fez a polícia prendê-lo.

Há mais de um ano, esse processo foi entregue ao ministro Teori Zavascki, do STF. Desde então, tentou-se prender Cunha. Pediu isso dizendo que ele poderia interferir nas investigações, argumento próximo ao utilizado por Moro em sua decisão.

Até os pares do ex-deputado, porém, foram menos lentos. Tiraram seu mandato, e então Teori decidiu que, por causa disso, o pedido de prisão não fazia mais sentido.

O ex-deputado não era um novato no STF —abertura de inquérito contra ele existe há mais de dez anos– nem é homem de um rolo só –além de Moro, juízes do Rio e do DF acabam de receber processos de Cunha.

As discussões sobre esse personagem expuseram algumas pontas soltas na corte. Numa sessão, o ministro Edson Fachin afirmou que o plenário deveria examinar a questão do flagrante exigido para prisão de congressista. Em Oxford, Luís Roberto Barroso disse: "O Supremo não tem condições para julgar processos penais com celeridade".

A novela de Cunha reforça a visão de que o foro especial protege os poderosos. Sobretudo porque envolveu alguém de muita visibilidade, cercado por grande indignação popular.

O timing da prisão também não é bom para a imagem do STF por outro motivo. Neste momento, o principal nome do mensalão só está detido por causa da Lava Jato –o Supremo acaba de dar indulto a José Dirceu.

Sem foro especial, Cunha voltou a usar avião oficial, direito que detinha como presidente da Câmara. Agora não mais a pedido, mas por obrigação. Pelo menos não correu risco de apanhar no desembarque.